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A NARRATIVA HEBRAICA
BÍBLICA: O PACTO DA MEMÓRIA
Cláudia Andréa Prata Ferreira
Doutoranda em Poética - Faculdade de Letras da UFRJ
Professora Assistente de Língua e Literatura Hebraica do
Departamento de Letras Orientais e Eslavas da Faculdade de Letras da UFRJ
Versão de um capítulo da pesquisa da Tese de Doutorado, escrita em 21/05/1999
para a disciplina Literatura Hebraica I por ocasião de Shavuot.
1) - Fonte Bíblica
O conjunto formado pela Bíblia Hebraica (Cânon judaico) recebe em hebraico o
nome de Tanach, uma acrossemia das palavras Torah "Pentateuco", Neviim
"Profetas", Ketuvim "Escritos ou Hagiógrafos". Onach é a sigla aramaica para os
mesmos três grupos de livros que pertencem ao Tanach: Oraitah, Neviim e Ketuvim.
O termo era freqüentemente empregado pelos Massoretas na Idade Média. O Tanach
abrange os Vinte e Quatro Livros canonizados como os Escritos Sagrados.
Na cultura hebraica, a Bíblia revela o Pacto (berit) de Deus com a humanidade e
com o seu povo em particular. Através da Bíblia observamos a presença constante
e permanente de Deus na história: Deus cria o mundo e o homem, dirige-se ao
homem como pai e instrutor (em hebraico moreh "professor", "mestre", derivado da
mesma raiz de Torah), indicando-lhe, através das palavras e das leis, qual o
caminho que conduz à vida. A palavra Torah, traduzida por Pentateuco, origina-se
do grego pentáteuchos ("cinco livros"), pelo latim pentateuchu.
A Torah também é conhecida pelo termo hebraico chumash que significa "quinto".
De chamesh ou chamishah, "cinco", pois são cinco os Livros do Pentateuco. O nome
completo é chamishah chomshei Torah "os cinco quintos da Torah" ou chamishah
chumshei Torah, "os cinco tomos da Torah". A palavra Torah aparece na Bíblia
mais de 220 vezes e se deriva da palavra Yarah ("lançar", "projetar").
No seu sentido etimológico completo, a palavra Torah, tem a conotação de
"ciência", "doutrina", "instrução", "ensinamento", "orientação", "religião" e
ainda "Lei". A tradução corrente de Torah é "Lei". Esta tradução provém da
Septuaginta, que empregou o termo grego Nomos "norma", "lei". A tradução mais
adequada de Torah origina-se na tradução aramaica de Onquelos, Oraitah,
significando "Ensino", "Instrução de Vida".
Existem três diferentes redações do Pentateuco: a judaica, a samaritana, a mais
recente, e a grega da Versão dos Setenta e a versão latina desta, denominada
Vulgata. A versão grega é a mais próxima da versão judaica. A versão samaritana
difere bastante das versões judaica e grega.
Deus dirige-se aos homens através de palavras, juízos e decisões, que vem da
boca dos homens, mas, que, contudo não lhes pertencem, mas sim ao próprio Deus.
Desse modo, o termo davar "palavra", que é comando ou proibição proveniente de
quem fala por autoridade divina e os termos ligados ao verbo yarah (Lirot
infinitivo) "lançar", "disparar", "atirar", e "ser flechado" assumem importância
fundamental. O termo yarah, originariamente, é o lançar uma flecha numa certa
direção (Ex 19,13; II Re 13,17). Mais tarde, yarah passa a significar, o apontar
para uma determinada direção (Gn 12,6; 46,28; Ex 15,25; Jz 18,6; Pr 6,13). Yarah
significa ainda "instruir" e "ensinar" (Is 9,14; Há 2,19).
No texto de Jó 38,61 encontramos, talvez a melhor definição para yarah:
"projetar os alicerces de um edifício". A etimologia de Iará é incerta, pois tem
um duplo significado: lançar e também: ensinar (significação que talvez provém
do gesto do mestre 'lançando' a mão para demonstrar; ou do gesto do profeta
'lançando' os oráculos.2 Portanto, quando a indicação do comportamento vem de
Deus, o termo yarah corresponde a uma revelação que obriga e que propõe ao homem
um modo de vida, dando-lhe, entretanto, a faculdade de renunciar.
O homem, por um ato de teshuvah ("retorno"), pode sempre voltar ao caminho certo
e reto, a esfera do sagrado. O meio indicado não constitui nenhum segredo ou
mágica, ao contrário, pertence às Escrituras, acessíveis a todos. Contudo, o
indivíduo precisa querer livremente fazer uso do ritual estabelecido por Deus,
ou seja, precisa ser acompanhado pela kavanah ("intenção", na fonte talmúdica)
de voltar ao bom caminho. Este é o significado do grande Retorno tal como sugere
o provérbio judaico: "os portões do perdão estão sempre abertos".
Após o retorno do exílio babilônico, os judeus reconstruíram o Templo,
inaugurado na Páscoa do ano de 518 a.C. Esdras, uma vez tendo compilado a Torah,
reuniu o povo no dia de Simchat Torah (em hebraico, "alegria da Torah", festa
onde se comemora o final da leitura da Torah) do ano de 444 a.C.3 Nessa ocasião,
o povo prometeu cumprir as leis da Torah e aceitar os mandamentos divinos como
regra de vida. A partir desse acontecimento começou a surgir uma nova classe de
guias e conselheiros do povo, os Rabinos (do hebraico rabi, significa
"professor", "mestre") cuja tarefa principal era ensinar ao povo o significado
da orientação bíblica e a sua aplicação às necessidades cotidianas.
A leitura da Torah é realizada normalmente nas segundas e quintas feiras e
sábados. Este costume é uma forma de liturgia que data desde os tempos do
retorno dos judeus do exílio babilônico no século VI a.C. A leitura também é
parte do sistema integrado na liturgia de oração e estudo.
A leitura da porção da Torah foi instituída nos dias de encontro das pequenas
aldeias na cidade, que eram às segundas e quintas. Aos sábados, por ocasião do
Shabat, são proibidas qualquer atividade suscetível de ser utilizada no processo
de produção e troca, ou seja, o trabalho. O Shabat é o momento privilegiado da
atividade judaica por excelência: o estudo da Torah.
A Torah é dividida em cinqüenta e quatro partes chamadas de Parashah ("sessão").
Deste modo, a cada semana é lida uma parashah e ao final de um ano, a leitura é
concluída e reiniciada ano a após ano sucessivamente. A leitura da parashah se
inicia sábado a tarde, tem sua continuação às segundas e quintas e continuação,
seguida de conclusão, sábado de manhã.
A Torah, conjuntamente com outras partes do Tanach, também é lida nos dias
festivos, sendo os trechos escolhidos para esta leitura de alguma forma
relacionados aos temas de cada festa. Os trechos lidos são divididos para que
vários participantes possam ser chamados à leitura da Torah (aliah). Após a
leitura da Torah, uma última pessoa é chamada sob o título de Maftir para fazer
a leitura da Haftarah.
O sentido literal de Haftarah é "conclusão" e refere-se à leitura de trechos
selecionados dos livros dos Profetas (Neviim). Encontramos duas explicações para
a leitura da Haftarah: primeiramente, a leitura se deve à intenção de preservar
este material na memória do povo. A outra explicação associa o uso da leitura da
Haftarah com o período de proibição do estudo da Torah por Antiochos, no século
II a.C. Neste contexto, a Haftarah seria uma substituta à leitura em que os
trechos escolhidos teriam um conteúdo correspondente ao da leitura prescrita
(Torah). Com o fim da proibição, manteve-se o costume da leitura da Haftarah. A
Haftarah é relacionada ao tema da leitura da Torah, permitindo uma compreensão
mais profunda da leitura desta e dos dias festivos.
2 - Pacto da Memória
A memória constitui, então, o elemento essencial no projeto de construção da
identidade individual ou coletiva do Povo do Livro (em hebraico, Am Ha'Sefer). A
relação memória e religião tem como elemento central a palavra hebraica zikaron,
que celebra a promessa mútua de memória entre Deus e Israel, o Pacto da Memória
através dos tempos.
Na fonte bíblica, a palavra hebraica zikaron significa "lembrança", "memória",
"recordação"; e, na fonte moderna, "memória". A raiz verbal hebraica zkr
significa "fazer menção", "mencionar", "lembrar", "lembrar-se", "haver menção
de", "existir lembrança de", "ser mencionado", "ser imputado", "trazer à
memória", "tornar-se conhecido", "anunciar", "confessar" e "louvar".
Monloubou5 destaca a riqueza de sentido da palavra zikaron para o homem bíblico.
O ato de lembrar permite ao homem de hoje pensar o passado no presente e
atualizá-lo. O zikaron é um ato capital para a vida, pois permite ao indivíduo
manter-se ligado as suas tradições.
Apelar para as lembranças do passado nunca teve outra finalidade senão ornar o
presente ou fornecer-lhe uma explicação. É pois um ato capital para a vida; é um
pouco o que mantém cada um ligado a suas raízes. Alguns verbos colocados pelos
textos bíblicos em paralelo com lembrar-se, considerados portanto como quase
sinônimos, mostram a importância dessa palavra (zikaron) e a realidade viva que
designa. (...) A palavra (zikaron) é carregada de sentido; parece tão rica aos
personagens bíblicos que a reservam a indizível relação de Deus com o homem.6
Jacques Le Goff7, baseado no estudo de B.S.Childs, afirma que o conjunto de
palavras formadas pela raiz zkr faz do judeu um homem de tradição, porquanto a
memória e a promessa mútuas - promessa de memória entre Deus e Israel ou ainda,
o pacto da memória - o ligam ao seu Deus.
A Bíblia era nossa terra prometida, o lugar da palavra que nos remeteria às
nossas próprias palavras, o ponto de encontro com o começo dos começos para ser
outra vez terra e vértebra, criação e desarraigamento, alucinação e consciência.
Do latim memoriale, "que ajuda a memória" (SUET. Ces.56), obtivemos em português
o termo memorial como tradução de zikaron, significando "memento", "escrito que
relata fatos memoráveis", "memórias" e "petição escrita". A utilização do termo
memorial é menos significativa em relação ao sentido original de zikaron, pois
não reflete a realidade e a consciência viva da presença do passado
constantemente rememorado e a inserção, uso e interpretação que o indivíduo faz
do fato (passado) evocado no ato cultual.
O zikaron dirige-se a Deus, convidado a "lembrar-se" quer do povo que executa o
rito, quer do gesto salvador que cumpriu outrora e cuja renovação permanente se
impõe (Gn 8,1; 9,15; 19,29; 30,22; Ex 6,5; 28,12.29; 30,16; 39,7; Lv 2,2-9.16;
5,12-26; 6,8; 24,7; Nm 5,15-18; 17,5; 31,54; Sl 10,11; 13,2; Zc 6,14; Ml 3,16).
O zikaron dirige-se igualmente ao povo que deve "lembrar-se" do gesto de Deus e
de seu significado permanente (Ex 12,14; 13,9; 17,14; Lv 23,2; Nm 10,10; Dt 2,9;
8,11.14.18-19; 9,7; 24,17-19; 32,7; Js 4,6; Ecl 1,11; 2,16; Is 44,21).
No Tanach, sobretudo, no Deuteronômio, verificamos o apelo para o dever da
recordação e memória constituinte. Memória, como observa J. Le Goff10, que é
antes de mais nada um reconhecimento de Adonai (Iahveh), memória fundadora da
identidade judaica. E disse-me o Eterno: Não molestes a Moab, e não faças a ele
guerra, porque não te darei da sua terra, pois aos filhos de Lot dei Ar por
herança (Torah, Dt 2,9 p.307.).
Guarda-te que não te esqueças do Eterno, teu Deus, deixando de observar os seus
preceitos, e os seus juízos, e os seus estatutos, que eu te ordeno hoje; Para
não suceder que depois de teres comido e estares farto, depois de teres
edificado boas casas e habitado nelas, e teu gado e teu rebanho se terem
multiplicado, e tua prata e o teu ouro, se terem aumentado e tudo que possuíres
se ter multiplicado, por isso tudo, se orgulhe o teu coração, e te esqueças do
Eterno, teu Deus, quem te fez sair da terra do Egito, da casa dos servos (Torah,
Dt 8, 11-14 p.321.).
Mas, antes te lembrarás do Eterno, teu Deus, porque é Ele quem te dá força para
conseguires riqueza, a fim de confirmar sua aliança, que jurou a teus pais, como
o faz hoje. E se esqueceres do Eterno, teu Deus, e andares após outros deuses, e
os servires, e te prostrares a eles, advirto-vos hoje, que certamente perecereis
(Torah, Dt 8, 18-19 p.321.).
Recorda-te! não esqueças de que irritaste ao Eterno, teu Deus, no deserto; desde
o dia em que saíste da terra do Egito, até chegares a este lugar, foste rebelde
contra o Eterno (Torah, Dt 9, 7 p.322).
Não perverterás o juízo do peregrino e do órfão; e não tomarás em penhor a roupa
da viúva. E recordarás que escravo foste no Egito, e dali te remiu o Eterno, teu
Deus; portanto, eu te ordeno fazer estas coisas. Quando segares a messe no teu
campo, e esqueceres uma gavela, no campo, não voltarás a tomá-la; para o
peregrino, o órfão, e a viúva será; para que te bendiga o Eterno, teu Deus, em
todas as obras de tuas mãos (Torah, Dt 24, 17-19 p.347).
No texto de Isaías (44, 21) encontramos o apelo à recordação e a promessa de
memória entre Deus e Israel, o Pacto da Memória, como nos referimos
anteriormente. Lembra-te destas coisas, Jacó, e tu, Israel, pois que és o meu
servo. Eu te modelei, tu és o meu servo, Israel, tu não serás esquecido (BSJ, Is
44, 21 p.1433.).
O zikaron é o "sinal" ou "marca" que atualiza um passado terminado e permanente,
pois é constantemente rememorado através da liturgia. Não se trata apenas de
voltar a um momento do passado, mas antes de meditar sobre o significado deste
fato no passado e no presente. O zikaron obriga o indivíduo a fazer uma reflexão
sobre o sentido da sua existência. O zikaron é um sinal visível e tangível de
uma realidade invisível.
Na concepção bíblica, o passado não é visto como um movimento que se inicia em
determinado ponto, mas como um fenômeno cíclico e recorrente. O passado volta
constantemente a produzir-se, ao ritmo lunar do calendário judaico, com seu
cortejo de festas que comemoram fatos passados apenas para melhor atualizá-los.
O zikaron retoma os fatos passados através da memória e permite uma releitura
desse passado no presente. Esta "memória" obriga o indivíduo a "lembrar-se"
ciclicamente de acontecimentos que estão ligados à formação da sua identidade e
reatualizá-los para compreender melhor a si mesmo.
Analisamos a celebração de Pessach, a Páscoa judaica, para ilustrarmos a relação
memória e religião, o Pacto da Memória, tendo como fio condutor a palavra
hebraica zikaron. Na ceia pascal judaica (em hebraico, seder "ordem" donde,
"ordem do serviço") realizada na comemoração da Páscoa (em hebraico, Pessach),
os membros da família reúnem-se em torno da mesa festiva para ouvir o relato do
pai e narrador. O ato de narrar torna-se possível à medida que o narrador retira
da experiência o que ele conta: sua própria experiência ou a relatada pelos
outros. Segundo o crítico W.Benjamin13, a arte de narrar origina-se na
experiência - Erfahrung. A palavra alemã Erfahrung origina-se do verbo erfahren,
que significa "chegar a saber".
Narrar é a capacidade de cada
um trocar experiências com o outro. No seu sentido etimológico completo, o verbo
latino narrare significa "fazer conhecer". Portanto, erfahren e narrare fazem
chegar o conhecimento ao homem. A mesa é o lugar pedagógico onde o judeu aprende
a sua identidade, pois cada prato é um elemento de memória, um zikaron. O ritual
e a narrativa permitem ao indivíduo (judeu) fazer uma leitura da sua memória e
assim compreender o sentido real da sua identidade.14 Quando na ceia pascal
judaica, a criança faz a pergunta convencional ao pai: "-Em que difere esta
noite de todas as noites?" (-Mah nishtanah halailah haze mikol haleilot) a sua
pergunta manifesta a necessidade de todos os presentes de chegar a um sentido, e
a um sentido atual para a lembrança evocada (Ex 10,2; 12,26-27; 13,8-10; Dt 4,9;
6,6-7.20-25; 32,7).
Para cumprir os ritos do seder várias comidas simbólicas ajudam a ilustrar e a
dar sentido ao relato: um z'roach (osso de perna de carneiro assado), que
relembra o cordeiro pascal que era sacrificado nos tempos antigos e no Templo;
uma beitzah (ovo cozido), símbolo judaico da Ressurreição e da Imortalidade, da
oferenda levada ao Templo em Pessach (Páscoa) e do luto pela destruição do
Templo; um pedaço de maror ("ervas amargas", geralmente raiz-forte ou alface)
para lembrar o amargor da escravidão dos israelitas no Egito; um raminho de
karpas (verduras que se imergem em água salgada, sendo a salsinha ou a cebolinha
geralmente usadas), como lembrança da travessia do Mar Vermelho; um pouco de
charosset - (mistura de maçãs, passas, amêndoas, canela e vinho, moídos e
amassados), que simboliza a argamassa usada pelos escravos israelitas no Egito,
ou a argila que tinham de moldar em tijolos; e a chazeret (um pedaço de rábano).
Tudo isso é colocado no centro da mesa numa travessa especial de Pessach,
chamada keará, que por sua vez é colocada sobre as três matzot cobertas segundo
o ritual do serviço do seder.
Nas palavras do Patriarca Raban Gamaliel, no final do século I: Em cada geração
cada um deve encarar-se a si próprio como se também ele houvesse saído do Egito.
Não foram só os nossos antepassados que o Santificado redimiu naquela ocasião,
mas através deles, a nós todos.
Os mitos simbólicos, a comida, a narração da Hagadah (significa "canto" ou
"narrativa", livro do serviço religioso de Pessach), as orações, enfim, a ceia
como um todo constitui um pacto pela memória e tradição que se renova
ciclicamente. O israelita volta-se para preservar a sua memória e identidade. A
celebração de Pessach não lembra apenas um episódio do passado. Pessach lembra
através de sua narrativa e de seus pratos a necessidade imperiosa do indivíduo
pensar a liberdade. Liberdade de pensar, falar, etc. Liberdade para o ser humano
desenvolver todas as suas atividades e potencialidades. Num mundo conturbado
pelos problemas sócio-econômicos que fomentam a violência do nosso cotidiano,
Pessach traz a mensagem da liberdade. O ser humano precisa se libertar do ciclo
violento e asfixiante no qual se encontra para voltar a pensar em si, em
recuperar as suas raízes, o seu sentido de existência.
O quarto livro da Torah, Bamidbar (Números) finaliza com as parashiot
("sessões") Matot-Massê. Na parashah ("sessão") Massê são sumariados os quarenta
e dois locais em que os hebreus acamparam nos quarenta anos em que estiveram no
deserto.
Segundo o relato bíblico, ao longo do primeiro ano, os hebreus partiram de
Ramsés para o deserto do Sinai e acamparam em quatorze locais. No período
restante, os hebreus acamparam em vinte locais e com a morte de Aarão no
quadragésimo ano, partiram de Kadesh para as planícies de Moab, em oito lugares.
Observamos que os hebreus da sua saída do Egito até atingirem a Terra de Israel
percorreram um longo percurso permeado de etapas. A passagem pelo deserto
funciona como um rito de passagem, na qual os hebreus saem do Egito para Israel,
ou seja de uma situação para outra e de um mundo cósmico e social para outro.
A saída do Egito (em hebraico, Mitsráyim, derivada da palavra meitsar que
significa "estreitamento, confinamento e limitações") teve como objetivo
transformar o israelita da condição de escravo a condição de ser humano digno de
receber a Torah. A saída do Egito retirou os indivíduos (israelitas) das
limitações físicas e materiais e elevou-os para uma atmosfera espiritual e
filosófica, onde consolidaram o Pacto dos seus antepassados com Deus e
tornaram-se capazes de pensar o Ser.
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